sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Por falar em respeito! Amem

I LOVE LAJE NO FOMENTO À CULTURA DA PERIFERIA

É já! A notícia não espera. Lá fui eu cobrir um jogo na quadra do GECALI, na Praça do Campo Limpo. Voltei quarenta anos atrás pra lembrar de um burburinho de escola no prédio de três andares em que dei aulas. 

Era então era o Ginásio Estadual do Campo Limpo. Ao chegar me perco olhando uma quadra na Praça,em que   só algumas crianças brincando com um cachorro. Será que o jogo já terminou?  Uns eskeitistas não souberam me informar onde ficava a quadra do GECALI, mas um senhor com uma bengala me mostrou o rumo. 

Também pudera, o GECALI teve esse nome apenas durante uns cinco anos. Quem sabe o projeto do I Love laje pudesse reunir um dia os egressos desse estabelecimento pra indagar porque não sobreviveu? Logo foi encampado pela EMEF Leonardo Villas Boas. Como pude esquecer sua localização? 

Pezão já de saída, acabara de fazer as imagens e no que ele sai para o campo do Regional, assumo a matéria esportiva nesse novo regime amadorístico de reportagem.  

No GECALI há marcas de pichações nas paredes e um grafite no mural. Há quem considere tudo o mais do mesmo. 

A tela é a página de um desejo de expressão que não encontrou na escola outro meio? Lugares potencializam a memória e estar ali foi como um flash.

A plateia assiste ao jogo de futsal na arquibancada e   vibra como qualquer outra. Mas não há taça, nem o campo é sintético ou gramado como no futebol de várzea. Tampouco é um campeonato ou copa, mas um jogo amistoso que rola entre o time Real Gothic Brazil contra os Meninos Bons de Bola..

- O futebol é um meio muito conservador, afirma Freon, que organiza o time Real Gothic Brazil do Belenzinho. Aí entendo como o pé na bola tem tanto a ver com a mente. 

Como o futebol, a literatura gótica também nasceu na Inglaterra, só que no século XVIII. Tempo dos românticos. Um barco de fuga na memória da industrialização britânica? Entretanto a palavra “gótico” contém em si uma diversidade.  

Vem da cultura dos godos, povo bárbaro da Germânia. Alude também a uma arquitetura do fim da Idade Média; mas sua potência vem de romances de mistério e do terror que unem labirintos, vampiro, fantasmas, passagens e castelos arruinados. 

Edgar Allan Poe bebeu dessa água. A literatura gótica teria sido um modo de contestar as idéias iluministas fincadas na supremacia da razão humana. Hoje se espalhou pelo mundo combinando  arte, moda, uma estética e um comportamento iconoclasta no cotidiano. 

Um estilo de vida.  Diz Freon que o coletivo do Real Gothic Brazil sofreu “zueira e discriminação” no Belenzinho. O maior festival Gótico existe até hoje na Inglaterra e é uma curtição da galera, mas sua arrecadação vai para uma fundação criada pelos pais de uma garota que morreu em decorrência do preconceito e da violência. 

Falando no jogo, por um lado o time Real Gothic Brasil, nasce oito anos depois do original inglês, em 2012. Combina comportamento voltado para a arte com o feminismo e a moda trevosa. 

E busca criatividade no campo dos dribles e táticas, o capitão do time Freon inova passes ao inventar o “Carrocel Fantasmagórico” e a “Pedalada fúnebre”. Valeria a pena conhecer mais dessa contribuição gótica ao futebol!

Aí vem os Meninos Bons de Bola. 

O outro time dos homens trans que tem Isabel que os acompanha na fita, fotografando. Ela reside no Jardim São Luis e acompanha o time trans em seu TCC - Trabalho de Conclusão de curso da Faculdade Panamericana de Arte. 

Entusiasmada com a proposta do time composto por homens transexuais, explica que o que falta na periferia é oportunidade a tantos talentos perdidos.  

Passo a bola pro Tyele, jogador do Meninos Bons de bola: 

- Vim de time de mulheres, de outros times históricos,  mas agora sim é que eu vou jogar bola com tranqüilidade, me sentindo bem dentro de um coletivo... Vai fazer dois meses. Entrei para o time MENINOS BONS DE BOLA no fim de novembro. É esse que é meu time!  A Prefeitura percebeu a necessidade de reunir esses homens trans e os estímulou para exercerem o direito de praticar esporte.

Cabe agora o reparo de Tyele sobre o tratamento no time. Por ser composto de homens trans, o uso é o do artigo masculino singular: o Tyele, o Dan. 

Nesse processo de transição, muitos já passaram dessa fase, então é mais tranqüilo usar o tratamento masculino porque a gente trabalha muito com o olhar aos homens Trans dentro desse arco íris que são os gays, as lésbicas, os homossexuais, os travestis (LGBTT).

Como o dia 29 de janeiro era o Dia da Visibilidade Trans: “- Então a gente veio com o time e convidados pra fazer esse amistoso e trabalhar essa questão no Campo Limpo.”

Organizador do time do Meninos bons de bola, Dan (ao fundo) confirma que: 

“- A idéia de montar o time surgiu em meu antigo trabalho pelas dificuldades que sentiam. Pelas redes sociais constatei que havia muitos meninos trans que gostariam de ter uma atividade física. Em um domingo de agosto de 2016, montamos uma pelada com bate-papo no Parque da Juventude no Carandiru. Foram mais de trinta jovens trans ao evento e após o encontro, criamos uma página dos MENINOS BONS DE BOLA e começamos a recrutar e a treinar no mesmo local. Hoje é muito importante estar aqui no dia da visibilidade jogando uma partida com outro time que é da diversidade como os góticos. Olham pra nós como a um estranho, mas pra gente é muito gratificante mostrar que a gente é igual a todo mundo e exercer nosso  direito de jogar futebol".  

Ao convidá-lo para um sonho que seria um Festival de Futebol da Diversidade. Dan responde: 

“- Se a gente quer ter visibilidade, não podemos ter preconceito de ninguém. No ano passado a gente jogou campo com um time Catadão F.C do CDM Bento Bicudo da Lapa. Jogamos Futsal com o Rosa Negra que não pertencem à população LGBTT, mas são totalmente desconstruídos, livres de preconceitos. É bem viável e agradece.”     

Dan acrescenta que o time tem jogadores de toda a cidade de São Paulo reunidos pela identidade de homens trans. O ponto de encontro é lá no Parque da Juventude.

Foi unânime entre os góticos e os homens trans a aceitação de participar de um Festival com times  masculinos, femininos, transgêneros ou de outra tribo como os góticos, ou de culturas indígenas ou imigrantes como haitianos, etc. 

Mas afinal quem ganhou o jogo? O placar era o que menos importava no ato de recobrar o direito ao esporte sem estigma. 

A sintonia enlaçava campo e platéia e esse amistoso do dia 29 de janeiro estimulou torcida e os times  a sobreviverem com alegria, dignidade e respeito. fica aí a sugestão do projeto

Nesse mesmo espaço foi formado o Grupo de Teatro Semente que nos anos de chumbo rodou igrejas como a São José Operário, Vila Remo, Santa Emilia, Capão Redondo e outros espaços com a peça Pequenas Fotografias que como hoje questionava o cotidiano.

Em Brasília, recentemente, estreou-se  uma  peça teatral de Alexandre Ribondi chamada Felicidade que aborda o tema LGBTT (sigla que significa Lésbicas, Gays, bissexuais, travestis e Transexuais) em contexto periférico. 

A questão do preconceito, auto estima e empoderamento  foi inspirada em histórias reais dos jovens em cena.  A peça trata o discurso machista ou da normalidade heterossexual e é assumido pelas igrejas pentecostais; a relação com o tráfico de drogas e a misoginia (aversão ao contato com as mulheres).


Cobrir o futebol amistoso do GECALI trouxe à baila outras falas, novos desafios que fazem parte do século XXI.

E depois dessa cobertura, que tal o desafio de propor um Festival de Futebol da Diversidade para agitar a várzea com a ampliação dos atores sociais. 

Vale a pena pensar no lema da nuca do Pedro, jogador do Meninos Bons de Bola. Confiram!


Reportagem e fotos de Alai Diniz e Marco Pezão

DO CAMPO LIMPO AO SINTÉTICO

POESIA SEM MISÉRIA

Apoio: Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo

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