I LOVE LAJE NO FOMENTO À CULTURA DA PERIFERIA
É já! A
notícia não espera. Lá fui eu cobrir um jogo na quadra do GECALI, na Praça do
Campo Limpo. Voltei quarenta anos atrás pra lembrar de um burburinho de escola
no prédio de três andares em que dei aulas.
Era então era o Ginásio Estadual do
Campo Limpo. Ao chegar me perco olhando uma quadra na Praça,em que só algumas
crianças brincando com um cachorro. Será que o jogo já terminou? Uns eskeitistas não souberam me informar onde
ficava a quadra do GECALI, mas um senhor com uma bengala me mostrou o rumo.
Também
pudera, o GECALI teve esse nome apenas durante uns cinco anos. Quem sabe o
projeto do I Love laje pudesse reunir
um dia os egressos desse estabelecimento pra indagar porque não sobreviveu?
Logo foi encampado pela EMEF Leonardo Villas Boas. Como pude esquecer sua
localização?
Pezão já de saída, acabara de fazer as imagens e no que ele sai
para o campo do Regional, assumo a matéria esportiva nesse novo regime
amadorístico de reportagem.
No GECALI há marcas de pichações nas
paredes e um grafite no mural. Há quem considere tudo o mais do mesmo.
A tela é
a página de um desejo de expressão que não encontrou na escola outro meio? Lugares
potencializam a memória e estar ali foi como um flash.
A plateia assiste ao jogo de futsal na
arquibancada e vibra como qualquer outra. Mas não há taça,
nem o campo é sintético ou gramado como no futebol de várzea. Tampouco é um
campeonato ou copa, mas um jogo amistoso que rola entre o time Real Gothic Brazil contra os Meninos Bons de Bola..
- O futebol é um meio muito conservador,
afirma Freon, que organiza o time Real Gothic Brazil do Belenzinho. Aí entendo
como o pé na bola tem tanto a ver com a mente.
Como o futebol, a literatura
gótica também nasceu na Inglaterra, só que no século XVIII. Tempo dos
românticos. Um barco de fuga na memória da industrialização britânica?
Entretanto a palavra “gótico” contém em si uma diversidade.
Vem da cultura dos godos, povo bárbaro da Germânia.
Alude também a uma arquitetura do fim da Idade Média; mas sua potência vem de
romances de mistério e do terror que unem labirintos, vampiro, fantasmas, passagens
e castelos arruinados.
Edgar Allan Poe bebeu dessa água. A literatura gótica
teria sido um modo de contestar as idéias iluministas fincadas na supremacia da
razão humana. Hoje se espalhou pelo mundo combinando arte, moda, uma estética e um comportamento
iconoclasta no cotidiano.
Um estilo de vida. Diz Freon que o coletivo do Real Gothic Brazil
sofreu “zueira e discriminação” no Belenzinho. O maior festival Gótico existe
até hoje na Inglaterra e é uma curtição da galera, mas sua arrecadação vai para
uma fundação criada pelos pais de uma garota que morreu em decorrência do
preconceito e da violência.
Falando no jogo, por um lado o time Real Gothic
Brasil, nasce oito anos depois do original inglês, em 2012. Combina
comportamento voltado para a arte com o feminismo e a moda trevosa.
E busca
criatividade no campo dos dribles e táticas, o capitão do time Freon inova
passes ao inventar o “Carrocel Fantasmagórico” e a “Pedalada fúnebre”. Valeria
a pena conhecer mais dessa contribuição gótica ao futebol!
Aí vem os
Meninos Bons de Bola.
O outro time dos homens trans que tem Isabel que os acompanha na fita, fotografando.
Ela reside no Jardim São Luis e acompanha o time trans em seu TCC - Trabalho de
Conclusão de curso da Faculdade Panamericana de Arte.
Entusiasmada com a
proposta do time composto por homens transexuais, explica que o que falta na periferia é oportunidade a tantos talentos
perdidos.
Passo a bola pro Tyele, jogador do Meninos
Bons de bola:
- Vim de time de mulheres, de outros
times históricos, mas agora sim é que eu
vou jogar bola com tranqüilidade, me sentindo bem dentro de um coletivo... Vai
fazer dois meses. Entrei para o time MENINOS BONS DE BOLA no fim de novembro. É
esse que é meu time! A Prefeitura
percebeu a necessidade de reunir esses homens trans e os estímulou para exercerem o direito de praticar esporte.
Cabe
agora o reparo de Tyele sobre o tratamento no time. Por ser composto de homens
trans, o uso é o do artigo masculino singular: o Tyele, o Dan.
Nesse processo
de transição, muitos já passaram dessa fase, então é mais tranqüilo usar o
tratamento masculino porque a gente trabalha muito com o olhar aos homens Trans
dentro desse arco íris que são os gays, as lésbicas, os homossexuais, os travestis
(LGBTT).
Como o dia 29 de janeiro era o Dia da
Visibilidade Trans: “- Então a gente veio com o time e convidados pra fazer
esse amistoso e trabalhar essa questão no Campo Limpo.”
Organizador
do time do Meninos bons de bola, Dan (ao fundo) confirma que:
“- A idéia de montar o time
surgiu em meu antigo trabalho pelas dificuldades que sentiam. Pelas redes
sociais constatei que havia muitos meninos trans que gostariam de ter uma
atividade física. Em um domingo de agosto de 2016, montamos uma pelada com
bate-papo no Parque da Juventude no Carandiru. Foram mais de trinta jovens
trans ao evento e após o encontro, criamos uma página dos MENINOS BONS DE BOLA
e começamos a recrutar e a treinar no mesmo local. Hoje é muito importante
estar aqui no dia da visibilidade jogando uma partida com outro time que é da
diversidade como os góticos. Olham pra nós como a um estranho, mas pra gente é
muito gratificante mostrar que a gente é igual a todo mundo e exercer
nosso direito de jogar futebol".
Ao convidá-lo para um sonho que seria um
Festival de Futebol da Diversidade. Dan
responde:
“- Se a gente quer ter visibilidade, não podemos ter preconceito de
ninguém. No ano passado a gente jogou campo com um time Catadão F.C do CDM Bento
Bicudo da Lapa. Jogamos Futsal com o Rosa Negra que não pertencem à população
LGBTT, mas são totalmente desconstruídos, livres de preconceitos. É bem viável e
agradece.”
Dan
acrescenta que o time tem jogadores de toda a cidade de São Paulo reunidos pela
identidade de homens trans. O ponto de encontro é lá no Parque da Juventude.
Foi
unânime entre os góticos e os homens trans a aceitação de participar de um
Festival com times masculinos, femininos,
transgêneros ou de outra tribo como os góticos, ou de culturas indígenas ou
imigrantes como haitianos, etc.
Mas
afinal quem ganhou o jogo? O placar era o que menos importava no ato de
recobrar o direito ao esporte sem estigma.
A sintonia enlaçava campo e platéia
e esse amistoso do dia 29 de janeiro estimulou torcida e os times a sobreviverem com alegria, dignidade e
respeito. fica aí a sugestão do projeto
Nesse
mesmo espaço foi formado o Grupo de Teatro Semente que nos anos de chumbo rodou
igrejas como a São José Operário, Vila Remo, Santa Emilia, Capão Redondo e outros espaços com a peça Pequenas Fotografias que como hoje
questionava o cotidiano.
Em Brasília, recentemente,
estreou-se uma peça teatral de Alexandre Ribondi chamada Felicidade que aborda o tema LGBTT
(sigla que significa Lésbicas, Gays, bissexuais, travestis e Transexuais) em
contexto periférico.
A questão do preconceito, auto estima e empoderamento foi inspirada em histórias reais dos jovens em
cena. A peça trata o discurso machista
ou da normalidade heterossexual e é assumido pelas igrejas pentecostais; a
relação com o tráfico de drogas e a misoginia (aversão ao contato com as
mulheres).
Cobrir o futebol amistoso do GECALI
trouxe à baila outras falas, novos desafios que fazem parte do século XXI.
E depois dessa cobertura, que tal o desafio de propor um Festival de Futebol da Diversidade
para agitar a várzea com a ampliação dos atores sociais.
Vale a pena pensar no
lema da nuca do Pedro, jogador do Meninos Bons de Bola. Confiram!
Reportagem e fotos de Alai Diniz e Marco Pezão
DO CAMPO LIMPO AO SINTÉTICO
POESIA SEM MISÉRIA
Apoio: Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo
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