quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Extra! Extra! Uma nova era para o Futebol Feminino?

I LOVE LAJE NO FOMENTO À CULTURA DA PERIFERIA

Jovem alagoana de Dois Riachos ganha mundo com a bola nos pés.

Marta Vieira da Silva,  por cinco vez consecutivas a número 1 do futebol feminino,  contrariou prognósticos misóginos.

Com um aninho de idade, o pai abandonou a família e Marta, criada só pela mãe, não virou bandida. Pelo contrário, carreto na feira, venda de geladinho, foi um modo digno de sobreviver. 

 E agora, superando todos e todas, pela sexta vez, ela recebe o prêmio "The best 2018": a melhor jogadora do mundo. 

Destaca-se em 2003, nos Jogos Panamericanos, quando é convocada pra seleção brasileira, ocasião em que o time de futebol feminino conquista a medalha de ouro. 

A partir daí a carreira profissional de Marta atinge o mercado internacional, com renome na Suécia e nos Estados Unidos. Neste país ainda joga no time Gold Pride.  

Agora, por aqui na quebrada,  quantas e quantas martas, perdidas por aí com seu talentos, impedidas de mostrar a magia de rolar a bola pelo gramado sintético ou natural?

Quantas martas atrás de balcões; na cozinha de bares ou restaurantes; na faxina; cuidando de crianças, irmãos ou filhos, ao reconhecer que a roda da vida costuma pesar sob seus ombros.

-  Pare de divagar! Meu caso é bem concreto! Desde pequerrucha sempre gostei de jogar futebol, na rua mesmo, ou quando os meninos deixavam, no campo... Mas meus irmãos sempre cochichando: "Ela é café com leite".

...Mesmo assim a bola nos pés era um sonho...  

- Em 2015, no Umuarama, aos 14 anos, o desejo se concretizou com um convite do pernambucano arretado, cheio de querer e de experiência,  Zé Roberto. 

 Foi logo formando o time feminino da Família Casarão. Tudo na base do voluntariado.

-Naquela alegria toda, Thalita criou até um apelido "Casarets". Não é que o nome pegou na quebrada?!  

- Nada...nada foram bem uns dois anos, pra gente poder entrar em 3 campeonatos : Copa Libertadores de Base de Futebol Feminino; Copa Delfino Santos e Copa da Paz.  Em 2017 foi apenas o começo e um modo do time ganhar experiência. 

 
Chega pro jogo a Naty e pela mão o sobrinho Daniel. Munido com os superpoderes desse sorriso, ninguém resistia. Virou mascote das Casarets. 

De fevereiro a agosto de 2017, o time deu a cara pra bater mas nem sempre levou. 

Empate em alguns jogos, vitória em outros. A taça distante ainda...

Mas feio o time das Casarets não fez! Copas serviram pra se reconhecer o grau de descaso dispensados aos times femininos na várzea.  Apoio zero!  Arbitragem, transporte e lanches, pago por quem joga. Quem aguentava sair do bairro com tanta despesa assim? 

Ainda mais que, de domingo, no transporte a periferia se veste de tartaruga rumo a outros bairros periféricos.  

De fato, são tantas martas... Nem o futebol de várzea lhes dá, de fato, a chance de treinar, muito menos de jogar. 

Além disso em 6 CDCs na região do Campo Limpo, só uma escolinha é mista. 

Com que idade, as meninas terão a chance de aprender a jogar e  testar sua habilidade? 

E para concluir, cabe agora lembrar a frase de Juca Kfouri no texto "Marta Fenômeno", quando afirma sem meias palavras:"O descaso com o futebol feminino começa pelo futebol masculino." 

A prova disso foi dada por Alcides, um dos técnicos pioneiros em treinar um time feminino de várzea. 

Em uma entrevista ao Futbolando, ele que, em 2003, era secretário de Esportes do Canto do Rio,  time sobrevivente no Itaim...

Espontaneamente relata o preconceito que enfrentou em sua própria diretoria à época em que decidiu criar o time feminino. 

Alcides batalhou por 3 anos e o time se consagrou em vários campeonatos. Só parou quando o Canto do Rio perdeu o campo no Parque do Povo.

Futebol é um esporte que dá prazer a quem o pratica.  Como a poesia, não tem idade, gênero, tribo ou classe social. Só exige forma física, técnica e habilidade no domínio da bola... 

Mudar a mentalidade começa com a desmistificação de que o futebol é um esporte masculino.     

Além de Marta, vale ainda mais um exemplo daqui mesmo: a resistência das Perifeminas lá de Parelheiros. 

O gesto coletivo de se deitarem  todas no campo foi o modo como conseguiram chamar atenção para obter um espaço de treino no campo de Barragem, extremo da zona sul da cidade de São Paulo. 

Mas só o campo pra treinar não basta. E as despesas com transporte, pagamento de árbitros e o valor que cada time paga para participar de campeonatos? 

Então as Perifeminas se uniram pra fazer um projeto e obter auxílio fora do Brasil, é claro.  

E na América do Sul, a Argentina tá adiantada. País pioneiro na história do futebol sul-americano, sua Associação de Futebol da Argentina (AFA) data de 1893.  Hoje  já contém em seus estatutos o financiamento a Copas destinadas aos times femininos. 

Resistir e lutar fazem parte da ação que os times femininos precisam desencadear  pra cavar espaço pras meninas em escolinhas, no campo e nos CDCs. Quem joga, atua porque acredita.

Na Argentina, as pioneiras começaram muito antes no futebol feminino datam de 1971...

Hoje há muitos times amadores de futebol feminino que fazem rifas, malabares, vaquinhas mas não desistem da reivindicação de também ocuparem os campos.  

E Marta Vieira da Silva? Suou a camisa pra ser quem ela é!

Mas a grande notícia, meninas,  guardei pro final.

A FIFA acaba de lançar uma estratégia global para o fortalecimento do futebol feminino no mundo. A meta é chegar a 60 milhões de jogadoras até 2026. 

E pretendem estimular, além de times, treinadoras femininas e dirigentes para a liderança.

Até 2022, pelo menos um terço dos membros do Comitê da FIFA serão mulheres. 

Também nesse rumo, a partir de 2019,   a Confederação Sul Americana de Futebol - CONMEBOL vai exigir que times a disputarem campeonatos internacionais, apresentem também a modalidade feminina em seus quadros.

Tomara que a notícia chegue logo aos CDCs ( de preferência antes do segundo turno eleitoral) e as escolinhas de futebol abriguem também as meninas, conferindo uma nova mentalidade ao futebol de várzea...

Sabe-se lá quantas martas ganhariam o mundo com seu talento daqui a mais alguns anos de abertura!

Texto: Alai Diniz 

Edição: Marco Pezão

DO CAMPO LIMPO AO SINTÉTICO

POESIA SEM MISÉRIA

A VÁRZEA É ARTE

A VÁRZEA É VIDA

PARTICIPE!

Esse projeto foi contemplado pela 1ª edição do Programa de Fomento à Cultura da Periferia da cidade de São Paulo