sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

A ilusória fúria de um algoz

Esse é o Raimundo Ferrinho, amigo varzeano de bom grado. Já uma pá de anos atrás, ele dirigente do Tubarão, do Jd Salete, me inspirou a história seguinte...
Ah, Ferrinho! É uma obra de ficção, qualquer semelhança é mero acaso...


É um jogo de futebol varzeano. Bola rolando, e o placar contrário deixa a torcida do Tubarão furiosa com a atuação do trio de arbitragem.

O Sem Saída vai vencendo por 1 a 0.

Ser juiz de futebol na várzea requer, antes de tudo, astúcia. Por melhor que conduza a partida haverá sempre um senão.

E, neste campo de terra batida, o Tubarão nada. Os torcedores pedem pro time morder. Querem garra, suor, empenho. Querem festejar o gol que não acontece.

Enquanto isso, no boteco do Ebrinho, encostado no balcão, um cara conhecido por Quarenta, de estatura mediana e forte, pede uma maria mole.

O apelido Quarenta vem da chapa que usa no trabalho, numa empresa de transporte coletivo.

Num gole, Quarenta sorve o liquido e reclama:

- Porcaria de time!

Nem precisou pedir outra, Meio Quilo já preparava:


- Saindo mais uma MM...

Nisso, ouve-se o coro na arquibancada lembrar da mãe do árbitro...

- Sacanagem! Vou te dizer, se alguém xingar minha mãezinha? Pode ser o homem do tamanho que for, eu derrubo!

E numa golada deixou o copo vazio.

Quarenta circula o campo e aos berros incentiva:

- Vai Tubarão, mostra que você é macho!

E se alguém ao lado esbraveja a materna exclamação contra a arbitragem, recrimina:

- Ô meu amigo! Tá certo que o diabo é safado, mas não bota a mãe no meio!

De repente, um ataque pela direita. A bola é lançada e o jogador avança livre em direção ao gol. É a grande chance do empate.

Porém, para inconformismo geral, a bandeira é levantada e o apito do juiz acusa impedimento.

Bastou. Foi a gota. A grade balançou. Quase duzentas vozes em uma só voz:

- Ladrão, f da p...

Não se sabe como ele conseguiu passar. Numa pequena brecha do alambrado transpôs a cabeça, e o resto do corpo foi junto.

Parecia ensandecido. Partiu em direção do árbitro que, ao vê-lo, tratou de fugir.

O Quarenta correndo atrás, e com a mão direita na cintura segurando um volume sob a camisa.

A impressão é de uma arma. Os bandeirinhas, a essa altura haviam sumido.

Alguns jogadores se lançaram a persegui-los, mas a maioria pensou em proteção.

O corre-corre deu duas voltas no campo e o árbitro chegou exausto à porta do vestiário fechado.

Sentou desconsolado no degrau. Tremeu com a zombaria das pessoas aglomeradas no portão de entrada:

- Vai morrer! Vai morrer!

Caiu em pranto. E protegendo o rosto com as mãos aguardou a fúria do seu algoz...

A maneira como Quarenta chegou. A postura da mão posicionada é de quem vai sacar o revólver...

- Pelo amor de Deus...!


A angustiada alma bradou...


Mas, naquele tenso momento, toca a campainha de um celular.

Quarenta levanta a camisa e...

Que alívio, era o telefone que ele protegia para não cair...


- Alô, mãe! Tô no campo. Mas, agora? É que... Tá bom, mãe. Tá bom, eu vou, eu vou... Oche!


Olhares ansiosos acompanham o sufoco do indefeso juiz. Quarenta, falou:

- Eu não vou te fazer mal. Vá pra casa e peça perdão à sua mãe por você ser a causa da difamação dela. E nunca mais apareça aqui para apitar um jogo do Tubarão...

Dito isso foi saindo entre fracos aplausos, gritos, falas, e muitas vaias...


- Tanta correria pra nada? Nem sangue, nem porrada...?


E a decepcionada torcida, então, pro Quarenta, entoou:

- F da p, f da p, f da p...

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