Vejamos alguns flagrantes dos CDCs da região do Campo Limpo que acabou se tornando um dos poucos espaços de convivência laica na periferia.
Aí vai Enzo Tobias, de pouco mais de três anos, que no CDC Cleuza Bueno, ensaia, descalço, sua jogada precoce na quadra de basquete. Naquele instante, o único que vale é rumar pra bola correndo até alcançá-la e ver que por mais que ela role, ele vai chegar com esse vigor pra impulsioná-la ainda mais.
Entre aqueles que moram nas ribanceiras; em barracos mal ajambrados, alguns de madeira, à mercê de todo tipo de dificuldades, seja o de falta de esgoto, enchentes...
...nesta reportagem, o destaque aqui é pra aqueles que aprendem a se virar nesse meio precário, a despeito de sua natural fragilidade: as crianças.
Lá no Morro do Piolho, a sede de Caio é de andar de bicicleta, mesmo com o perigo estreito das ladeiras, de um terreno íngreme e sem a proteção adequada no caso de quedas!...Fazer o quê! Caio só pode brincar onde seus pés pisam...
O rosto pintado desse garoto sapeca que se chama Ricardo mostra a alegria com as festividades do Dia da Criança, no CDC Uleromã. Assim como os indígenas, a pintura no rosto abre o jogo para a máscara, a fantasia e a imaginação. Ele agora pode ser quem nunca foi e vibra com seu olhar maroto nesse momento de festa.
Aliás, diversão é algo que poderia acontecer mais vezes em todos os campos...O direito ao lazer infantil. Muitas crianças tem só o CDC como "parque de diversões" existente no bairro. Assim é no Jd Umuarama.
E o polvo inflável toma conta do campo, gratuitamente, com seus tentáculos agarrando a meninada uma vez ao ano. Só uma vez? Pena!
Ser criança é bom mesmo! Principalmente quando o adulto sabe ver que ela não está numa tábula rasa que o adulto vem encher de cimento...
Agora é certo que a criança simboliza inocência, mas o grande desafio também é como educá-la para o convívio... o modo lúdico, a paciência e respeito. Criança que é respeitada, aprende por osmose.
Há quem as veja como cruéis porque dão estilingadas em passarinhos; soltam o papagaio da gaiola; fogem para a rua em busca de ação e alegria...
Que rua? Na periferia esqueceram que a rua poderia também pertencer às crianças. Quando é que se fecha uma rua para uma festa comunitária? Então, com o corpo ávido de euforia, as crianças tendem mesmo a fazer traquinices.
Aliás fomos todos assim!
Agora me digam, as crianças não teriam direito a espaços abertos? A um lazer orientado e à atenção decente por parte dos adultos?
Claro que alguns adultos já sabem disso, esse avô, por exemplo, no CDC Jardim Rosana, parece entender que é possível aliar o futebol, sem deixar de lado a nutrição da netinha.
É claro que as crianças brincam com o que vêem pela frente ou tentam improvisar...Mas ainda há um abismo entre a sociedade e a criança e na periferia isto aparece de modo mais acirrado.
Afinal, o que é ser criança? A resposta é difícil. Joan Miró (1893-1993), famoso pintor catalão, aos setenta anos, surpreendeu ao dizer que ele pintava seus quadros porque nunca havia deixado de ser criança...
Nem tudo se conhece sobre a infância. Lucas e Samuel que brincavam no CDC Jardim Rosana, nessa pose ensaiam um gesto diferente que pra eles simboliza a garra da amizade. Encantaram-se com a gente falando poemas no campo e aí estão ricos em sua alegria. Desejam ser, deliberadamente, artífices de suas vidas e de suas artes e se os adultos estiverem afinados com a melodia do carinho, da paciência e da atenção, é possível rir com eles, descobrir a criança que ainda guardamos em nós e lembrar que a vida também é jogo.
Reportagem: Alai Diniz
Fotos e vídeo: Marco Pezão
DO CAMPO LIMPO AO SINTÉTICO
POESIA SEM MISÉRIA
A VÁRZEA É ARTE
A VÁRZEA É VIDA
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Esse projeto foi contemplado na primeira edição da Lei de Fomento à Cultura da Periferia da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo