Milênios não suavizam o escarnecer da cruz.
No púlpito, eloqüente padre...
Finaliza a consagração domingueira.
- Perdoai os inimigos. Quantos aqui presentes oferecem tal virtude?
Dos bancos tomados sinalizam fieis. Aderência tímida.
Replicou o padre, apontando o símbolo cristão:
- Ele, cujo exemplo a imortalidade deve seguir,
ofereceu a outra face e perdoou...
quem mais aqui presente oferece tal virtude?
Todos encorparam o rebanho...
Menos, delicada senhora sentada no banco à frente.
Dirigindo-se a ela, microfone em punho, o reverendo disse:
- Salve, dona Josefina! Pois, então, não perdoa os teus inimigos?
- Eu não tenho inimigos, padre - respondeu a gentil velhinha.
Tomando-a pelo braço, o vigário levou o diálogo ao altar.
- Qual é a tua idade, dona Josefina?
- 99 anos.
- 99 anos e sem o amargo da injúria! Aleluia!
Com vigor, os fiéis aplaudiram o feito.
- Nos conte, por favor, como é possível
aos inimigos tão longa vida?
A boa senhora pigarreou a voz e entusiasticamente falou:
- É que todos os filhos das putas, já faleceram...
Marco Pezão (midraxe hagadá)