O Clube de Leitura I Love Laje continua e no dia 18 houve o relato de uma obra fantástica Visconde partido ao meio (1952) de Ítalo Calvino (1923-1985).
Escrita sete anos após a II Guerra Mundial, a obra começa retratando uma guerra em que o Visconde Medardo di Terralba luta contra os turcos.
O narrador é seu sobrinho visto que chama o visconde de "tio".
Identificar a voz do enunciador do relato é um dos pivôs para entender uma obra. Observar como ela se inicia e como termina constitui outro dos pontos de atenção. Entretanto, ao comentar uma obra, o melhor é dar apenas algumas pistas para que isso possa incitar a leitura e não esgotar tantos elementos que o ouvinte perca o desejo de buscar na obra sua própria visão.
Nas batalhas tudo pode suceder, então numa delas, o nobre acaba solapado por um canhão, tendo seu corpo dividido em dois.
Então, é assim que vamos adentrando no universo do fantástico. Até mesmo com o neologismo que indica o nome do protagonista.
Medardo (Me+dardo = dardo em mim) não morre.
Alegando uma dessas peripécias da ciência médica, reconstitui-se o corpo do Visconde pela metade.
"Costuraram, adaptaram, amassaram:sabe-se lá o que fizeram...meu tio abriu o único olho, a meia-boca, dilatou a narina e respirou...
vivo e partido ao meio." (CALVINO, p. 21)
Sequelado, assim volta o nobre ao reino de Terralba. Tal qual um mutilado, esse infortúnio transforma o personagem, antes alegre e justo. Agora está regido por outra lógica. A de viver só com o lado direito à vista.
Uma capa escura o envolve do lado esquerdo, marcando dali em diante uma carência física e psicológica.
Padece Medardo de uma lacuna... E por isso quebra a asa da ave de seu pai; paga só a metade da viagem ao carregador da liteira; decepa as peras ao meio...
"Da guerra só havia retornado a metade malvada de Medardo."
Só a direita de seu corpo cobrava vida. E assim prosseguem os desmandos do poderoso. Açoitava os leprosos para um pântano. Condenou à forca tanto bandidos como caçadores e guardas. Sua ama de leite, a Velha Sebastiana inventou um modo de a enviar a viver na floresta com leprosos... E por aí vai o Visconde cometendo atos inconcebíveis ao leitorona como a matemática, serve para estimular sua imaginação e, pela estética também à reflexão sobre a nossa sociedade, nosso tempo!
Não há uma só interpretação de um romance, depende sobretudo do repertório de cada leitor e do que cada um busca na obra.
Experimente lê-la e você vai ter uma ideia de como sua imaginação vai agir...
Na mesma reunião de maio, houve também o comentário de Marco Pezão sobre a obra Terra Sonâmbula (1992) de Mia Couto, escritor de Moçambique. Confira nos próximos dias a matéria aqui neste blog.
Texto: Alai Diniz