sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Doce pimenta do reino

Madrugada. Na rua onde moro ouço caminhões chegando pra montar a feira.

Feira livre de minha infância. Da nonna Maria que nas sextas-feiras me fazia de braço pro carrinho puxar. 

Ou junto ao meu pai, aos domingos, carregando as sacolas com as compras pra semana.

O cheiro de café moído na hora está em minha lembrança. Não havia supermercados. Somente empórios ou vendas. E a feira livre concentrava o melhor e mais variado comércio alimentício, além de roupas e sapatos. 

Muita coisa mudou, mas mantive o gosto pela feira. A patroa diz amém. Paciente, atravesso a extensão olhando os produtos em oferta. 

As barracas de verduras e legumes. Tomates vermelhos maduros, ideais para o saboroso molho da macarronada.

Berinjelas negras, polpudas, às vejo recheadas ou fatiadas, em camadas levadas ao forno.

Escolho alguns pimentões vermelhos que se transformam em tiras na composição da salada com alho e azeite.

Alcachofras. Nada me apetece mais do que tirar suas pétalas. Molhadas no tempero são o verdadeiro bem me quer.

O coro dos feirantes. O falatório. A pechincha. Brócolis, couve-flor, couve-manteiga, escarola, agrião, alface, mostarda, chicória... 

As frutas. O perfume dos pêssegos. Cores compondo longas bancadas. Laranjas, mixiricas, uvas, pêras, abacaxis, melões, bananas, maçãs. 

Quantas variações de alimentos. Como é rico o solo brasileiro, meu Deus.

Mãos plantam, cuidam, colhem, transportam e expõem. Chupo uma jabuticaba. Suculenta. Refletindo sobre origem e sabor, ouço a cantoria conhecida:  

- Au au au... baratinho que é legal. Saquinho de cinqüenta, e de real. 

São vozes conhecidas de uma dupla, cuja barraca vende condimentos; cominho, erva-doce, noz-moscada, e pimentas de todos os formatos.

Confesso que, semanalmente, dou ares não só em busca do alho e cebola vendidos ali. Há um outro ingrediente que me fascina.

Mãe e filha são as gentis vendedoras, alegres e cantadoras. Mas a jovem moça ao moer a pimenta do reino, inclinada à frente, girando a manivela da moenda – uh! - palpita volumosos seios em generoso decote.

Em casa, a mulher já bronqueou: 

- Homem! Pra que tanta pimenta do reino, se quase não uso no tempero?

Não posso explicar-lhe minha doce inclinação pela especiaria.

Na pimenta moída, um reino imaginário. Visão belíssima, qual a forma de adquirir o produto. 

Algumas vezes pra evitar a suspeição da esposa, esqueço o saquinho em banca qualquer. 

Hoje, repetindo a mesma medida, a moça veste camiseta branca de alças delicadas.

Oh, pimenta!

Atendendo ao pedido, a bela ligou um botãozinho e a moedeira elétrica fez o trabalho.

Malagueta em meus olhos chisparam!

Substituíram o moedor manual. Os seios em alto sem aquele movimento circular...

Perdoem-me, mas a pimenta do reino perdeu toda a sensualidade.

E a feira, embora a tenha como obrigação, ficou um tanto sem graça.    

Marco Pezão                   

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