Madrugada. Na rua
onde moro ouço caminhões chegando pra montar a feira.
Feira livre de minha
infância. Da nonna Maria que nas sextas-feiras me fazia de braço pro carrinho puxar.
Ou junto ao meu pai, aos domingos, carregando as sacolas com as compras pra
semana.
O cheiro de café moído
na hora está em minha lembrança. Não havia supermercados. Somente empórios ou
vendas. E a feira livre concentrava o melhor e mais variado comércio
alimentício, além de roupas e sapatos.
Muita coisa
mudou, mas mantive o gosto pela feira. A patroa diz amém. Paciente, atravesso a
extensão olhando os produtos em oferta.
As barracas de
verduras e legumes. Tomates vermelhos maduros, ideais para o saboroso molho da
macarronada.
Berinjelas
negras, polpudas, às vejo recheadas ou fatiadas, em camadas levadas ao forno.
Escolho alguns
pimentões vermelhos que se transformam em tiras na composição da salada com
alho e azeite.
Alcachofras. Nada
me apetece mais do que tirar suas pétalas. Molhadas no tempero são o verdadeiro
bem me quer.
O coro dos
feirantes. O falatório. A pechincha. Brócolis, couve-flor, couve-manteiga,
escarola, agrião, alface, mostarda, chicória...
As frutas. O
perfume dos pêssegos. Cores compondo longas bancadas. Laranjas, mixiricas,
uvas, pêras, abacaxis, melões, bananas, maçãs.
Quantas variações
de alimentos. Como é rico o solo brasileiro, meu Deus.
Mãos plantam, cuidam,
colhem, transportam e expõem. Chupo uma jabuticaba. Suculenta. Refletindo
sobre origem e sabor, ouço a cantoria conhecida:
- Au au au...
baratinho que é legal. Saquinho de cinqüenta, e de real.
São vozes conhecidas
de uma dupla, cuja barraca vende condimentos; cominho, erva-doce, noz-moscada, e
pimentas de todos os formatos.
Confesso que, semanalmente,
dou ares não só em busca do alho e cebola vendidos ali. Há um outro ingrediente
que me fascina.
Mãe e filha são
as gentis vendedoras, alegres e cantadoras. Mas a jovem moça ao moer a pimenta
do reino, inclinada à frente, girando a manivela da moenda – uh! - palpita
volumosos seios em generoso decote.
Em casa, a mulher
já bronqueou:
- Homem! Pra que
tanta pimenta do reino, se quase não uso no tempero?
Não posso explicar-lhe
minha doce inclinação pela especiaria.
Na pimenta moída,
um reino imaginário. Visão belíssima, qual a forma de adquirir o produto.
Algumas vezes pra
evitar a suspeição da esposa, esqueço o saquinho em banca qualquer.
Hoje, repetindo a
mesma medida, a moça veste camiseta branca de alças delicadas.
Oh, pimenta!
Atendendo ao pedido,
a bela ligou um botãozinho e a moedeira elétrica fez o trabalho.
Malagueta em meus
olhos chisparam!
Substituíram o
moedor manual. Os seios em alto sem aquele movimento circular...
Perdoem-me, mas a
pimenta do reino perdeu toda a sensualidade.
E a feira, embora
a tenha como obrigação, ficou um tanto sem graça.
Marco Pezão