I LOVE LAJE NO FOMENTO À CULTURA DA PERIFERIA
Não duvidem! Há teatro de primeira linha na periferia! Aqui mesmo no Campo Limpo, a Lei de Fomento à Cultura da Periferia - 2018 possibilitou a circulação do Bando Trapos do Espaço Cultural CITA que, em parceria com o coletivo I LOVE LAJE, animou a noite de 15 de março de 2019, com uma performance sensacional da peça Mephisto, o injustiçado.
O embate entre as forças do Bem X Mal ronda a humanidade em diferentes culturas e a literatura como parte do imaginário teve em J. Wolfgang Goethe (1749- 1832), romancista alemão, a tragédia em versos Fausto, escrita em duas partes. Goethe tratou do conflito entre Religião e Ciência através da ambiguidade interior do ser humano pelo pacto de um médico com Mefistófeles (Lúcifer) exaltando a angústia do século XIX e que, no Brasil, parece estar mais presente que nunca.
Mephisto, filme de 1981, dirigido por Istvan Szabo, foi mais uma entre tantas versões desse mito que recriou o pacto com Lúcifer em um contexto moderno. A criação coletiva da Bando Trapos revisita o poder do protagonismo satânico em sua ambiguidade, na brilhante atuação de Welton Silva, adequando seu discurso persuasivo ao nosso tempo. Ao aqui-e-agora, pleno de fake news, idiotia e tramoias.
Méphis seduz espectadores e atrai para si um elenco periférico com a promessa do sucesso. Inicia um teatro de percurso que da rua entra para a livraria - o primeiro ambiente do Espaço I Love Laje, recriado como locus da metamorfose dos quatro saltimbancos em artistas.
Conduzidos pela lábia de Méphis estimula a performance dos atores selecionados que se caracterizam aos poucos diante do público. Os espectadores vão sentindo os efeitos de personagens como Gero (Deco Morais); Flor (Cleia Varges); Mudo (Joka Andrade) e Mary Star(Ton Moura) criam em busca da fama.
É a obstinação do discurso de Mephisto que leva a todos ao primeiro território infernal que retrata o prazer do alimento carnal para nutrir o elenco em uma "santa ceia."
Outro ambiente infernal vai destacando ao que vai sendo reduzido cada um dos abduzidos pela lógica mefistotélica.
A fim de provar a injustiça que o condena a eternizar-se, Méphis rege a sutileza da arte na sinfonia dos cristais: momento sublime de entrega dos atores....
Em busca do sagrado na arte e na dança dos corpos que seguem na buscando de uns e outros e questionando a Deus.
Escravizados pelo desejo obsessivo da presença do Messias a cena se revela potente. O que é real?
O que é enigma? o que é teatro? Divino ou profano entre nós?
Tomados pela magia do espetáculo em sua vetorização: da performance dos atores à iluminação, (Daniel Trevo) da sonoplastia ao cenário e à produção (Nicoly Soares; Junior Matos e a Davi Damasceno e à direção que nos conquistou do começo ao fim.
Se éramos pouco menos de 20 no público... Quem atendeu ao apelo viveu o encantamento que a arte produz na alma. A periferia tem direito a ir da rotina que nos escraviza pra viver a liminaridade. Cada canto do I Love Laje foi criando vida à passagem desse vendaval deixado pelo CITA: Centro integrado de Artes. Parabéns ao Bando Trapos, à Dêssa Souza, antiga parceira a quem agradecemos. A periferia tem teatro a oferecer sim! Confiram!
Texto: Alai Diniz
Fotos e edição: Marco Pezão
DO CAMPO LIMPO AO SINTÉTICO
Esse projeto foi contemplado pela 1ª edição do Programa de Fomento à Cultura da Periferia da cidade de São Paulo