sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Zagatti, uma imagem de vida!


Pelas mãos da irmã Tereza
Conheceu na tela do cinema
Diversão jamais abandonada
História de ilusão projetada
Por destino carregou...

A rude rotina, de forma geral, o coração embrutece
Qual catalisador serviu a alma deste senhor
Conservando o sonho antigo?

Universo de menino no terreno baldio
Pedaços de filmes, ao acaso, emendados
Refletindo imagens arremessadas à parede
Na brincadeira, em lente de grau, ao brilho do farolete...

O tempo é real fecundador, tanto belo quanto atroz
Nem agruras de mudanças... 
Forjando o adolescente
Nem crescimento empobrecido... 
Ou decadência de serviço
Moldaram-lhe o vilão das aventuras vistas em matines...

Já adulto mantém o sustento do lar
Empurrando a carroça pelas ruas de Taboão
De sucatas catador, canaliza a dor do nada ter
Reaproveitando papelão, plásticos, latas
Papéis, fio de cobre esquecido
Alumínio contorcido, uma panela de ferro
Coisas jogadas consideradas sem valor
Para ele necessidade, pro meio ambiente
Reciclagem é ato de educação e amor...

Intempéries enfrentadas
Cotidiano sem tréguas
A boca, dentes perdendo
Estranha esperança induzindo-o a prosseguir
Ah! Quem conhece as vias e vielas desta serra
E os preconceitos pertinentes
Por muito menos desistiria ao largo...

Mas a chama se proclama acesa
Qualquer dinheiro extra o leva ao cinema
Ele, porém, vê o que ninguém vê
Bem além dos atores em cena
O longa metragem desejo ainda acena...

Um dia, gasto projetor floriu no ferro velho
A ideia rápida na mente germinou
A crua realidade ganhou cores diferentes
A raiz que o tempo manteve atada
Em definitivo modificou o catador de sucatas...

Assim, em posse do legado
Comprado e revigorado no suor
Tornou-se ousado e aberto
E crença depositou no projeto...

Valendo-se de minguadas economias
Em meio às distribuidoras cinematográficas
Pediu, apelou a quem pudesse ouvir
O reclamo daquele que por ventura
Só queria exibir as projeções de sucesso
Da cinemateca dos bacanas
Seu público está na periferia
Um salve às nossas crianças...

Instalou-se em garagem de humilde moradia
Cartazes de exibições antigos colados à alvenaria
O branco lençol na rua, adaptado
A pipoca gratuitamente servida 
As estrelas no céu dando assistência
Olhos atentos seguem o facho de luz...

O alarido da plateia sentada
Agitada em cadeiras arranjadas
A cada sorriso e exclamação
Satisfação enorme toma conta da sombra
Atrás dos carretéis, mansamente a rodarem...
Trabalha por servir e dar prazer
Precavido a que nenhum defeito
Interrompa o desenrolar da alegre cena...

Ah, senhor meu Deus!
Diante de insensível mundo
Apresentou-nos outro épico
Persistente enfrentando gigante Golias
O arrojado humano egoísmo...

Espírito enlevado de guri
Imagem de vida transcende o mini cine Tupi
Alteraste a obra, do lixo nasceu o cinéfilo
O homem Zagatti completou tua sétima arte
Do cinema, o mais humilde servidor...

José Luiz Zagatti, o catador de sucatas, amante do cinema, faleceu nesta quarta-feira, 26. aos 66 anos.

FOTOS: gentedemais.blogspot.com