Esse é o Raimundo Ferrinho, amigo varzeano de bom grado. Já uma pá de anos atrás, ele dirigente do Tubarão, do Jd Salete, me inspirou a história seguinte...
Ah, Ferrinho! É uma obra de ficção, qualquer semelhança é mero acaso...
Ah, Ferrinho! É uma obra de ficção, qualquer semelhança é mero acaso...
É um jogo de futebol varzeano. Bola rolando, e o placar contrário deixa a torcida do Tubarão furiosa com a atuação do trio de arbitragem.
O Sem Saída vai vencendo por 1 a 0.
Ser juiz de futebol na várzea requer, antes de tudo, astúcia. Por melhor que conduza a partida haverá sempre um senão.
E, neste campo de terra batida, o Tubarão nada. Os torcedores pedem pro time morder. Querem garra, suor, empenho. Querem festejar o gol que não acontece.
Enquanto isso, no boteco do Ebrinho, encostado no balcão, um cara conhecido por Quarenta, de estatura mediana e forte, pede uma maria mole.
O apelido Quarenta vem da chapa que usa no trabalho, numa empresa de transporte coletivo.
Num gole, Quarenta sorve o liquido e reclama:
- Porcaria de time!
Nem precisou pedir outra, Meio Quilo já preparava:
- Saindo mais uma MM...
Nisso, ouve-se o coro na arquibancada lembrar da mãe do árbitro...
- Sacanagem! Vou te dizer, se alguém xingar minha mãezinha? Pode ser o homem do tamanho que for, eu derrubo!
E numa golada deixou o copo vazio.
Quarenta circula o campo e aos berros incentiva:
- Vai Tubarão, mostra que você é macho!
E se alguém ao lado esbraveja a materna exclamação contra a arbitragem, recrimina:
- Ô meu amigo! Tá certo que o diabo é safado, mas não bota a mãe no meio!
De repente, um ataque pela direita. A bola é lançada e o jogador avança livre em direção ao gol. É a grande chance do empate.
Porém, para inconformismo geral, a bandeira é levantada e o apito do juiz acusa impedimento.
Bastou. Foi a gota. A grade balançou. Quase duzentas vozes em uma só voz:
- Ladrão, f da p...
Não se sabe como ele conseguiu passar. Numa pequena brecha do alambrado transpôs a cabeça, e o resto do corpo foi junto.
Parecia ensandecido. Partiu em direção do árbitro que, ao vê-lo, tratou de fugir.
O Quarenta correndo atrás, e com a mão direita na cintura segurando um volume sob a camisa.
A impressão é de uma arma. Os bandeirinhas, a essa altura haviam sumido.
Alguns jogadores se lançaram a persegui-los, mas a maioria pensou em proteção.
O corre-corre deu duas voltas no campo e o árbitro chegou exausto à porta do vestiário fechado.
Sentou desconsolado no degrau. Tremeu com a zombaria das pessoas aglomeradas no portão de entrada:
- Vai morrer! Vai morrer!
Caiu em pranto. E protegendo o rosto com as mãos aguardou a fúria do seu algoz...
A maneira como Quarenta chegou. A postura da mão posicionada é de quem vai sacar o revólver...
- Pelo amor de Deus...!
A angustiada alma bradou...
Mas, naquele tenso momento, toca a campainha de um celular.
Quarenta levanta a camisa e...
Que alívio, era o telefone que ele protegia para não cair...
- Alô, mãe! Tô no campo. Mas, agora? É que... Tá bom, mãe. Tá bom, eu vou, eu vou... Oche!
Olhares ansiosos acompanham o sufoco do indefeso juiz. Quarenta, falou:
- Eu não vou te fazer mal. Vá pra casa e peça perdão à sua mãe por você ser a causa da difamação dela. E nunca mais apareça aqui para apitar um jogo do Tubarão...
Dito isso foi saindo entre fracos aplausos, gritos, falas, e muitas vaias...
- Tanta correria pra nada? Nem sangue, nem porrada...?
E a decepcionada torcida, então, pro Quarenta, entoou:
- F da p, f da p, f da p...